[CRÍTICA] Cidade Invisível: A (In)Visibilidade da cultura Indígena
Cidade Invisível é a nova produção original da Netflix, criada por Carlos Saldanha – que, anteriormente, trabalhou em animações como “Rio"; “A Era do Gelo” e “O Touro Ferdinando” – e estrelada por Marcos Pigossi, Alessandra Negrini e outros incríveis artistas brasileiros.
Venho sonhando, há anos, com uma produção brasileira que ilustre a nossa cultura e o nosso folclore; que, honestamente, é muito mais complexo que diversas produções fictícias “hollywoodianas”. Então, antes tarde do que nunca, a Netflix nos presenteia com uma série tão bonita e profunda.
Cidade Invisível conta – de forma criativa, nada clichê e com muita reinvenção – as lendas folclóricas brasileiras. Mas, felizmente, não se limita apenas a isso. Essa produção é um presente embalado com críticas sociais fortes e relevantes, como: medo do desconhecido ou do diferente, desmatamento, abandono parental, LGBTfobia, importância da família e da natureza, desigualdade social, racismo e diversos outros temas que se apresentam no Brasil e no mundo.
Seria inevitável, para mim, não falar sobre “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”, pois é uma série que cresci assistindo e que, de uma forma maravilhosa e infantil, me introduziu ao mundo das lendas. Contudo, a intenção dessa série é levar a cultura brasileira para os adultos, através de mistério e algumas raras cenas assustadoras.
A premissa da história é extremamente funcional e nos faz maratonar a série rapidamente. O foco principal está no personagem Eric (Marcos Pigossi), em sua família; além de, é claro, nos integrantes do folclore brasileiro, como: Saci, Curupira, Iara, Boto e Caipora. Há, ainda, uma maldição chamada “corpo-seco”, que é uma alusão ao homem, aquele que destrói as matas, o verdadeiro vilão. Tudo isso se entrelaça no final, devido a um roteiro coerente e bem feito.
Aqui, abro um parênteses para acrescentar uma curiosidade sobre a maldição. Caso não tenha interesse em ler sobre, sinta-se à vontade para pular para o próximo parágrafo :). O Corpo-seco é também um mito nosso – que veio da Europa junto com a colonização. Pesquise um pouco sobre ele para entender um pouco melhor o contexto na série. No livro “Monstruário – inventário de entidades imaginárias e de mitos brasileiros”, de Mário Corso, há a seguinte descrição: “O Corpo-seco é uma espécie de zumbi, um morto-vivo, [...]. Quem carrega tal fardo foi um grande pecador [...]. Mais que uma alma penada, é uma alma penada que nem do peso do corpo se livrou. Pior do que a morte, ele é a falência de toda esperança. [...]”
Os personagens folclóricos – ou, no mínimo, a maior parte deles – tiveram um desenvolvimento bom e uma origem pincelada no início de alguns episódios. Essas pinceladas vieram acompanhadas de mensagens extremamente válidas para a população. Seja na origem do Saci, mostrando o racismo e trabalho escravo; ou da Cuca, mostrando os malefícios do abandono parental.
O maior mérito dessa história é promover a cultura brasileira com criatividade e amor ao país. A brasilidade é mostrada na série com orgulho, por meio das paisagens, críticas sociais e até mesmo pela trilha sonora – com ela, por alguns minutos, tivemos o direito de ouvir uma machadinha de Carnaval.
Enfim, essa história é sobre crenças, natureza, luto, família, respeito e, principalmente, sobre o Brasil, mas também sobre a sociedade. A série da Netflix está mostrando ao mundo o poder cultural brasileiro, e esperamos que “Cidade Invisível” seja apenas o princípio de diversas histórias que valorizem o nosso folclore, a nossa cultura, a nossa origem.
No último episódio, fica clara a intenção da plataforma de produzir a 2° temporada e, sinceramente, torço muito para isso. Essa série brasileira, com uma produção magnífica, merece continuação e se tornar um sucesso mundial.
De acordo o site FlixPatrol, “Cidade Invisível” está no top 10 em 17 países, como: Estados Unidos, França, Argentina e outros. Ou seja, as lendas folclóricas que antes, muitas das vezes, eram desvalorizadas e Invisíveis, deixam de ser apenas histórias para crianças dormirem e ganham a sua merecida valorização.
NOTA: ★★★☆☆
ALERTA DE SPOILERS
Eu sei o que vocês mais querem saber: “A Cuca se transformou em jacaré?”
Eu, assim como muitos de vocês, conheci a Cuca através de Monteiro Lobato, em “Sítio do Pica-Pau Amarelo” e, na série dos anos 2000, a Cuca era um jacaré. Mas aqui não. Nessa história, ela é uma feiticeira. O criador Carlos Saldanha revelou que, durante suas pesquisas, descobriu que a Cuca possui várias possíveis transformações – sendo uma delas a borboleta. Assim, nessa produção, a Cuca se transforma em uma borboleta. Mas não desanimem! Isso gera cenas lindas e emocionantes, além de uma perfeita ligação com o medo das pessoas.
A série sofreu várias críticas, principalmente dos povos indígenas, pelo apagamento da cultura dos povos nativos. A série mostra, entre tantos outros absurdos, um boto que vive na praia do Rio de Janeiro.
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